- Estou perfeitamente bem por conta própria. Estar sozinho não significa sentir-se solitário.
PS: texto da Marian Keyes
Você era um colírio pros meus olhos.
Pedi duas gotas. Só duas gotas!
E devolvi em lágrimas.
Você era a cara do meu destino
E não passou de um pedaço de mau caminho.
Você tinha tudo pra ser minha fonte de inspiração
E virou a canção das escolhas erradas.
Das escolhas... erradas!
Você era o meu parque de diversões
E acabei levando trabalho pra casa
Você tinha tudo pra ser minha fonte de inspiração
E virou a canção das escolhas erradas
E virou a canção das escolhas erradas
Das escolhas... erradas!
Há tempos venho precisando sair. Dar umas voltas. Tomar uns goles. Dançar. Conhecer pessoas novas. Dar vários beijos na boca. Ter uma noite intensa de sexo...
Por isso tudo, eu resolvi deixar a preguiça de lado e aceitar o convite de dois amigos meus. A boate de sempre. A noite em BH era quente. A boate lotada e um calor de deixar as pessoas completamente molhadas de tanto suor. Música. Gente bonita. E ele. Com sua boca. A mais bonita da boate inteira.
Ele usava uma máscara de carnaval (Sim. Era um baile de máscaras!) e a primeira coisa que pude reparar foi na sua boca. O rapaz era bonito e eu não me achava merecedor de tudo aquilo.
Meu tom de voz se elevou um pouco demais quando eu gritei pra um dos amigos que me acompanhavam: “Não consigo parar de olhar”.
Ele também estava com uns amigos e eu o vi conversando com uma menina que, de repente, me olhou. Sorri sem graça, com se tivesse sido pego em flagrante. Envergonhado, desviei o olhar e me concentrei na dança. Garrafa de cerveja em mãos.
Faltando uns dois goles pra terminar a cerveja, tentava criar coragem pra me aproximar dele e dizer que, “não sei se é uma cantada, mas sua boca é linda”. Enquanto estava meio perdido em meus pensamentos, meus amigos foram ao bar e eu fiquei sozinho.
Ainda faltava um gole de cerveja e meu coração começava a disparar.
Agora meu coração disparava muito.
O rapaz, com sua máscara, sua boca e tudo o mais, se aproximava de mim. Confuso com as luzes piscando, tive uma breve dúvida se ele realmente se vinha na minha direção, mas, quando vi, ele já estava com o rosto bem perto do meu. Meu coração parou de bater por uns três segundos. Beijo.
Os beijos demoraram um pouco até que ele cochichou ao meu ouvido: “Daqui a pouco eu volto”, colocou os dedos sobre a boca e me mandou um beijo.
Fiquei em dúvidas se “daqui a pouco eu volto” haveria ou não de ser um fora. Mas fiquei tranqüilo. Ele continuava próximo a mim, não fora dar nenhum outro beijo boate afora. Eu o tinha sob meu campo de visão, mas fiquei totalmente sem saber o que fazer. Só sabia que não podia me comportar como um namorado.
Alguns minutos depois, resolvi me aproximar, contei da minha tentativa frustrada de cantá-lo e, por fim, elogiei sua boca. Ela realmente me impressionara. Mais beijos.
- “Preciso de água” – disse ele, por fim – “Já volto”.
Eu já tinha ganhado a noite. Mesmo se aquilo fosse um fora, eu já preparava o próximo flerte. Até que meu coração parou de bater por mais três segundos.
Um abraço.
Demorou um tempo pra ficha cair, o coração voltar a bater, o oxigênio chegar até o cérebro e eu ver que a pessoa que me abraçava era o Rafael. Acho que fiz cara de bobo enquanto ele sorria, me abraçava e dizia estar com saudades.
A primeira coisa que fiz, foi colocar na minha cabeça que eu não podia deixar que o Rafael estragasse minha noite. “Ele não pode ter esse poder de me balançar pro resto da vida! Seja firme, Théo! Não liga pra ele. Se concentra na boca. Rafael já era...” – pensava enquanto minhas pernas tremiam, entregando minha ansiedade.
Rafael saiu de perto e eu continuei dançando. De repente ele chegava, me dava umas ‘encoxadas’ e saía de novo. Não dei bola. Não mesmo.
Estava dançando com meu amigo quando ele apareceu, passou a mão pela minha cintura, se aproximou do meu ouvido e perguntou se meu ‘namoradinho’ não ficaria com ciúmes dele. Fui seco ao dizer que ele não era meu namoradinho, era meu amigo. Dei as costas e voltei a dançar, mas a vontade era de gritar: “e o seu “namoradinho”? Não vai sentir ciúme de mim? Onde ele está enquanto você fica aqui, se esfregando comigo?”. Mas não compensava.
Não tava mesmo disposto a dar chance de o Rafael estragar minha noite. Tanto que fiz que não vi quando ele deu o maior beijão numa menina.
Até a música estava ao meu favor. Não posso negar que gostei e fiz coro quando a Gaiola das Popozudas cantou: agora eu sou piranha e ninguém vai me segurar... Me empolguei. Música de baixo nível cai bem, em algumas ocasiões.
Puxei o garoto pela mão e começamos a dançar. Ele à frente. Eu por trás, enquanto passava a mão pela sua barriga, sua bunda... De repente escuto “Théo” e uma cara de espanto do meu amigo. Vi o Rafael se aproximar. Passar por mim e se virar para me olhar enquanto seguia seu caminho até o bar. No meu íntimo mais íntimo, eu sorri.
Feliz, virei o cara e o coloquei contra a parede. Vim por cima e encaixei nossas coxas. Os beijos estavam mais quentes. As mãos, mais ousadas. Enquanto minha língua procurava sua orelha, a mão descia por dentro da calça procurando outra coisa. Não era só a boca que era boa. Não mesmo... [Gaiola das Popozudas agora vai fala pra tu: se elas brincam com a xereca, eu te dou um chá de...] Chá de nada. Ele saiu de perto e foi ao bar buscar outra água.
Continuei dançando. E o Rafael voltou a se aproximar.
- “Eu preciso de um homem! Por que essa garota fica andando atrás de mim?” – ele perguntou. A menina que ele havia beijado – uma amiga, segundo ele - estava ao seu lado, com uma cara de velório.
- “Eu não sirvo mesmo pra você, não é? Então, boa sorte na sua busca” – respondi com um sorriso o mais irônico possível.
Logo ele saiu de perto. E eu já estava querendo ir embora. Eu vi meu “pegada” passando por mim, mas não o vira mais. Seus amigos também não estavam mais por lá. O mais certo é que ele tinha ido embora. E eu nem ao menos sabia o nome da pessoa que tinha feito minha noite ser tão legal.
Subindo as escadas, dei mais uma procurada, mas não o encontrei. Queria me despedir. Dar um beijo... Agradecê-lo pela noite. Havia sido realmente legal. Chegando a porta, vejo Rafael sentado. Me aproximei pra me despedir e ele segurou minhas mãos, fez uma expressão (que quase me convenceu ser) de tristeza e pediu pra eu não ir.
- “Cadê sua amiga?” – eu perguntei
- “Lá embaixo, dançando...” – respondeu.
Eu disse que precisava mesmo ir embora, pois já estava cansado. Meus pés doíam, embora me sentisse leve. Dei um abraço nele e já ia saindo de perto quando ele me puxa pelas mãos.
- “Me dá seu telefone... Eu perdi” – falou.
Passei o número. Por um segundo, pensei em dar-lhe um beijo na boca e sair, sem nem olhar pra trás. A idéia logo passou, eu me abaixei, o abracei, dei-lhe um beijo no rosto.
- “Bom te ver! Depois a gente se fala...” – disse, dando uma piscadinha.
Não agi assim por mal. Não tinha vontade de me vingar. Agi pensando no meu melhor. Não posso ficar pra sempre à mercê do Rafael e suas mudanças constantes de humor. Enquanto deixava a boate pra trás, na companhia dos meus amigos, aproveitei o silêncio da madrugada pra pensar pensei se a vingança teria um gostinho mais ou menos parecido com esse...
Eu queria andar na linha, tu não me deu valor. A música não saía da cabeça. Definitivamente, música de baixo nível cai como uma luva, em algumas ocasiões.
Até a próxima.
Querido Lou,
Nós aprendemos tanto...
Eu sei que não seremos capazes de nos falar por um tempo. Eu entendo isso, e espero que você também. A distância foi a coisa mais difícil, mas nós aproveitamos muito bem o quanto poderíamos ter aproveitado, já que os dois estavam em um momento bastante tumultuado em nossas vidas. Eu sempre vou gostar quando você estiver por perto, e sempre vou querer saber sobre você, sobre sua carreira e sobre o que tem feito...
Acho que, naquela época, eu devia ter uns 19 anos. Não tinha amigos e, portanto nunca saía de casa. Perdia, assim, qualquer oportunidade de conhecer uma pessoa. O jeito era tentar encontrar alguém pelos chats da vida. O Thiago foi mais um que conheci pela internet, mas não me lembro bem como...
Em uma das primeiras conversas, Thiago demonstrou uma preocupação em mantermos certa “privacidade”. Ele quis saber se minha família sabia sobre mim, se eu freqüentava “o meio”, se eu era “assumido” e tudo mais.
Não. Naquela época, como já disse antes, eu ainda não conhecia nenhum “meio” e morria de medo de que alguém descobrisse que gostava de meninos.
Conversamos por certo tempo e logo estávamos falando sobre nossa busca por namorados. Sobre as decepções com as pessoas que conhecíamos pela internet e logo surgiu a idéia de nos encontrarmos.
Não quis fazer pressão e, após muitos encontros marcados – e demarcados – chegou o dia em que nos encontraríamos.
Pouco antes do horário combinado, recebi uma mensagem dele no celular, dizendo que não poderia me ver naquele dia. Se me lembro bem, era aniversário de uma prima, ou coisa assim. Fiquei muito decepcionado, mas banquei o conformado e respondi a mensagem dizendo que eu entendia e que não haveria problemas. E que marcaríamos outro dia, para outro encontro.
Eu queria conhecer o Thiago. Muito. Mas não estava apaixonado por ele. Não ainda.
Pouco depois, recebi outra mensagem, dizendo que iria me encontrar. Não entendi nada, mas fiquei feliz. Finalmente, a gente iria se ver. Sair do virtual...
Escolhemos uma praça na região central de Belo Horizonte. Romântico, não? E nosso encontro foi assim: rodeados por árvores, crianças com seus pais, cachorros passeando com seus donos, casais velhinhos sentados comendo pipoca, enquanto casais mais jovens se pegavam em algum cantinho mais escuro... E nenhum indício de que Thiago e eu renderíamos alguma coisa.
O Thiago era muito bonitinho... Pouco mais velho que eu. Acho que deveria ter uns 22 ou 23 anos. Baixinho, moreno, um rosto bonito e uma boca, digamos, bastante “simpática”. Trabalhava como cobrador e disse que queria tentar vestibular, mas que tinha medo de não conseguir conciliar estudos e trabalho.
Eu me esforçava pra não demonstrar todo o meu interesse e, quando vi que não iria sair dos papos de amigos, me esforcei pra não deixar a minha frustração, decepção, ou sei lá o quê, ficasse estampada em meu rosto.
Acontece que, aos 19 anos, minha auto estima estava em sua fase boa. Em expansão... E o não interesse do Thiago por mim era um bom golpe em minha (tão rara) crise de autoconfiança.
Na hora de despedir ele me disse que depois conversaríamos sobre “nós”. Que havia gostado de me conhecer pessoalmente, que eu era uma pessoa legal e tudo mais que – posteriormente – eu entenderia que significa um “não rola, cara”.
No caminho até minha casa, me senti um lixo (a primeira vez, até então) e, se me lembro bem, cheguei até a derramar algumas lágrimas.
No dia seguinte, aproveitei a oportunidade para colocar, no MSN, um recado. “Eu sei que eu não sou quem você sempre sonhou”, como cantava Marcelo Camelo na clássica Anna Julia.
E ele recebeu o recado. Logo rolou um papo:
“ – Então, essa frase é pra mim?” – ele perguntou.
Com minha afirmativa, ele foi direto ao ponto. Falou que não era questão de eu ser ou não o que ele sempre sonhou. Disse que estava confuso. Havia um colega de trabalho que vinha demonstrando algum tipo de interesse por ele. Thiago me contou que teve medo de corresponder às investidas do colega e, quando decidiu tentar alguma coisa, o rapaz o disse que ele havia confundido as coisas e que a relação dos dois não passaria de amizade.
Me disse que chegou a pensar em se demitir, tamanha vergonha pelo que aconteceu. Disse que ainda tinha grande interesse pelo colega e que nós dois não daríamos certo. Que não queria me decepcionar, que me queria como amigo e tudo mais que – hoje eu sei – significam um “não rola, cara”.
Mantivemos contato por uns tempos. Falamos sobre a vida, os estudos, os namorados (no meu caso, “a falta de”), família...
Eu me lembro que eu o avisava sobre inscrições para vestibulares, e o incentivava a estudar. Agindo como amigos fariam...
Até que um dia ele reagiu de forma estranha comigo no MSN. Depois de algum tempo sem nenhuma conversa virtual, eu o vi online e decidi puxar assunto.
“ – E aí, Thiago, tá sumido...”
“ – Não é o Thiago. É a irmã dele. Estou usando o computador e o MSN conectou sozinho...”
“ – Certo. Diz a ele então, que mandei um abraço”
Assim foi nossa última conversa. Se era ou não “a irmã dele” eu não sei. Se ele recebeu, ou não, o abraço que o mandei, também não sei. Não sei se ele resolveu a situação com o colega de trabalho, nem se ele se decidiu sobre a faculdade.
Sei que, por algum tempo, eu olhava alguns ônibus na esperança de vê-lo. Sei também que, infelizmente, não era mesmo o que ele sempre sonhou. Ou, talvez, apenas não fosse o momento certo. Não gostei de como a amizade terminou. Gostaria de ter podido dizer a ele que “eu sempre vou gostar quando você estiver por perto, e sempre vou querer saber sobre você, sobre sua carreira e sobre o que tem feito...”.
Fim.