Tenho certeza de que seríamos grandes amigos.
A timidez do início da amizade daria espaço a uma grande cumplicidade. Em seu apartamento, tomaríamos cerveja com amendoim japonês. Sua mãe, após algum tempo, seria chamada de “tia”, como fazem os grandes amigos de filhos adolescentes.
Ela entenderia nossa relação. Sem muitas perguntas, nem insinuações. Eu era, afinal, uma amizade que ela deveria valorizar. Ora, é muito bom que os filhos tenham bons amigos.
Deitados na cama dele, poderíamos ouvir música, ver alguns filmes piratas e vários shows. Aquele da Amy Winehouse, o meu preferido, foi comprado por ele numa loja de departamentos em Londres. Sim, ele conheceu Londres. Também conheceu Amsterdã e, de lá, viriam suas melhores histórias. Histórias que sempre gostaria de ouvir, sobre maconha e bicicletas.
Sua pele clara, seus olhos expressivos, seu cabelo castanho, quase loiro. Era, sem dúvidas, muito bonito. Mas isso não me impressionava. Não mais.
Até nos beijaríamos algumas vezes, ligeiramente bêbados de cerveja ou vinho. “Ao som de Will you still love me tomorrow eu não consigo resistir”, ele diria. Beijos com um sentimento diferente. Amor, sim. Mas não um amor vulgar, efêmero... não seria paixão. Era amor mesmo. Amor, daqueles que sentimos pelos amigos. Daqueles que fazem com que um beijo não signifique muita coisa. Quer dizer, não o bastante para atrapalhar a amizade.
Ele me contaria, sem pudor, que traía seu último namorado. Eu, por minha vez, me diria cada vez mais apaixonadinho por aquele amigo da faculdade. Aquele, hétero, que tem uma namorada super gente boa. “Cretino”, ele diria – “Como você ainda tem coragem de encarar a namorada do cara por quem você é apaixonado?”.
Alguns palavrões depois, mais umas cervejas, ele me abraçaria e cantaríamos alguma música juntos. Aos gritos. Sua mãe, da porta do quarto, diria, brava, que os vizinhos logo reclamariam daquela gritaria.
Nada de boates nem bares: nossa diversão seria estar em casa – na minha ou na dele – bêbados ou não, com música ou não. Às vezes só conversando. Ele fumando, eu reclamando que a fumaça me deixava com falta de ar. Sua companhia era agradabilíssima pra mim. Minha companhia também era agradável pra ele.
Lembraria sempre das vezes que me vira no supermercado próximo a nossa casa. “Você sempre desviava o olhar, parecia muito metido”. Eu me explicaria, dizendo ser timidez. Agora, depois de algum tempo, minha timidez já era bem disfarçada.
Três da manhã. “Te levo lá em baixo” e me acompanharia. Abraçados esperando o elevador chegar. Abraçados dentro do elevador. Na portaria do prédio, sempre acharíamos graça quando o portão eletrônico fizesse um barulho alto e devido à demora da nossa despedida, a sirene do alarme disparasse.
“Vai pra dentro, seu doido”, eu diria, daria-lhe as costas e seguia os dois quarteirões até minha casa. Enquanto vasculhava os bolsos à procura das chaves de casa, receberia um SMS no celular. “Até amanhã. Bjs”.
Teríamos sido grandes amigos, tenho certeza.
Mas ele pulou da janela do seu quarto ontem. Cinco andares até o jardim do prédio. “Era um rapaz muito sozinho... Não tinha nenhum amigo”, foi o que ouvi dizer.
8 comentários:
Isso é sério?
uau!
q texto maravilhoso!!!
eu simplesmente adorei, especialmente o final.
é uma frase que vc já sabia durante o texto todo e é justamente ela que torna o texto tão interessante.
obrigado por esse sopro de originalidade por hoje.
Bonito texto. Flui...
Adorável ...
um final apoteótico #fato ... daí a grandeza de todo o texto ...
Bravo, bravo e bravo.
Abraços querido e saudades de vê-lo no Lua hein tá sumido demais rapaz, araaa...rs.
Obs: Genial seu texto.
Filhote, preciso falar com você.
Me add no seu msn oficial, porque do outro você sumiu...
Eu a procura das Cartas de Van Gogh a Théo, acabei chegando no seu adorável blog.
Um abraço,
Lizz Mariano
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